quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Renê deixa o Coritiba, mas agradece 'companheiros Coxas-Brancas'

Renê Simões anunciou, na semana passada, que não será mais o técnico do Coritiba. Hoje, o treinador, que vai voltar a dirigir a Jamaica - seleção que levou à Copa de 98 - escreveu uma carta de agradecimento ao time e aos torcedores, que estiveram juntos na campanha do título da Série B.

A carta é extensa (muito grande mesmo), mas vale a pena ser lida. É um exemplo de que o futebol não é apenas feito por sujeitos chucros ou ignorantes. Ela mostra as facetas de um dos últimos grandes idealistas do futebol mundial, que está sempre em busca daquilo que é mais difícil e merece todo o nosso respeito.

"Prezados companheiros Coxas-Brancas,

não se preocupem com o companheiro, já fui devidamente alertado para os perigos de uma declaração como essa.

Tenham a certeza de que nunca fui e nunca serei formatado pelo SISTEMA, recuso-me a fazer parte da mesmice ou ser obrigado a aprisionar sentimentos que explodem dentro de mim. Jamais, repito, jamais fiz uma declaração como essa, sempre fui um profissional rigoroso e mantive meus sentimentos dentro dos padrões de ética e profissionalismo que um planejamento e sua execução exigem, na busca de seus objetivos. Mas vocês foram mais fortes e me deixei contagiar e ser levado por esta onda verde e branca que se formou em volta de todos nós.

Como diz o compositor (Paulo Vanzolini): "chorei , não procurei esconder, todos viram... pena de mim não precisava, assim (ali) como (onde) eu chorei, qualquer um chorava "...

Não resisti ao desfile, ver aquelas crianças e seus pais tão eufóricos, alguns em transe, foi a gota d'água. Fico imaginando um pai ou uma mãe dizendo ao seu filho que o certo ou a única coisa a ser feita é ser coxa doente, e logo depois, um filho chegando na escola e ouvindo dos amigos que ele era de segunda. Que confusão na cabeça de uma criança.

E os títulos que são a mola propulsora de qualquer nova geração de torcedores, onde estão?! Olhe o São Paulo, que já é a terceira força, se não a segunda de São Paulo. Acho que este título é muito maior do que possamos imaginar, numa análise fria, pura e simples sobre o futebol. Com certeza ele é mais abrangente na sua dimensão e perspectiva de futuro.

Os nascidos nos anos 90 não sabem, ou melhor, não sabiam o que era uma conquista nacional. As conquistas dos rivais são mais recentes e mais frescas na memória. Para um torcedor de 21 anos, discutir do que ele não viu era muito mais difícil. Além disso, neste mundo globalizado, em que a informação gera conhecimento e este se torna sabedoria - se bem usado, ser notícia nacional e internacional significa $, criando possibilidade de investimento em infra-estrutura, em tecnologia de ponta, em contratações de profissionais mais qualificados e em planejamento inteligente.

Mas tudo isso sem se perder o que foi conquistado ao longo deste ano, ou seja, atletas guerreiros e comissão técnica comprometida com os interesses do clube e sua comunidade. Torcedores sabedores de suas responsabilidades e direitos, dirigentes preocupados na administração de recursos e criação de facilidades para que os verdadeiros profissionais executem o projeto, funcionários empenhados em ser verdadeiros escudeiros do produto principal do Coritiba, O FUTEBOL.

Muitas coisas foram resgatadas pelos verdadeiros coxas-brancas, amor próprio (saber o que representa no espaço que ocupa e valorizar-se), respeito por quem tem que decidir (respeitar as decisões sem ser alienado), senso crítico sem partidarismo (buscar a verdade doa a quem doer, mas sem predisposições políticas ou de qualquer outra ordem), busca incessante de informações para determinar tomada de posição (não permitir que apenas um comentarista ou uma fonte seja seu guia), e projeto de excelência (ser hoje melhor do que foi ontem e amanhã infinitamente melhor do que está sendo hoje).

Deixo o clube bem melhor, falo isto sem nenhum tipo de vaidade. Cheguei num momento de total descontrole de tudo, não havia paz. Tudo era pressão, todos sangravam e sofriam.

Com um diagnóstico bem feito, graças à competência dos Dirceus Krugers, dos Cizicos, dos Edsons, dos Prosdócimos, dos Malucellis, dos Candinhos, dos Maurícios e de toda uma comissão técnica de extrema confiança, pudemos com muita calma ir checando até chegarmos a cada ponto diagnosticado e resolvê-lo, sem alardes ou brigas.

Saio muito melhor, pelos amigos que a caminhada proporcionou, pelos conselhos que ouvi, pelo que aprendi e pelo amor que descobri. Vou para um lugar que precisam de mim, onde sempre fui valorizado, respeitado e aprendi a admirá-los como RAÇA, como gente e como país. Cumplicidade, fidelidade foi sempre o que tive do presidente da Federação Jamaicana e seu Secretário Geral.

Narro uma história para poder justificar o porquê de não poder negar ao chamado dele, neste momento de necessidade. Desculpem por me alongar, mas é a ultima, paciência. Obrigado.

Em 94 assumi no mês de outubro, em janeiro de 95 vim para o Brasil com 28 jogadores para um tour de 30 dias, perdemos a maioria dos jogos e de goleada. No retorno, mandei 18 jogadores embora, os mais famosos: "não se ensina novo truque a cachorro velho".

Chamei os garotos da categoria sub-23. O presidente quase foi à loucura, pois teríamos dois meses depois a Copa do Caribe, disputada na Jamaica. Era tudo o que podiam sonhar naquele momento, a conquista da Copa do Caribe. A Copa do Mundo, nem pensar - diziam eles. Com mão firme, mantive a minha decisão da reformulação. Jogamos e nem nos qualificamos para as quartas-de-final. Foi o caos, a imprensa e a torcida queriam me matar. Exigiam a minha cabeça numa bandeja.

O presidente, que não era a favor da reformulação no primeiro momento, entendeu as razões e deu a seguinte declaração: "quando vou ao médico ele me dá uma receita para uma semana, um mês ou sei lá quanto tempo. Sigo a receita e, se não fico curado, troco de médico. O médico que eu trouxe do Brasil me deu uma receita de quatro anos, só depois desse tempo vou pensar em trocá-lo".

Em quatro anos, classificamos a seleção para a Copa da França 98, classificamos a sub-17 para a Copa do Mundo da Nova Zelândia, fomos quarto colocados na Copa do Ouro, empatando em 0 x 0 com o Brasil, e ganhamos a Copa do Caribe em 98, que foi jogada em Trinidad e Tobago. Já com o contrato renovado, no quinto ano, classificamos a sub-20 para a Copa da Argentina e só não classificamos para a olimpíada por um gol de diferença com a Costa Rica.

Unidade, nem sempre unanimidade, é isso que busco sempre no meu trabalho, pessoas que reconheçam o valor do trabalho e apostem no futuro, que saibam ser fortes nas derrotas e dizer vamos em frente. Visionários.

Saio do Coritiba, mas tenham a certeza de que o Coritiba não sairá de mim.

Um beijo verde e branco e um Natal cheio de esperança.

Naquele que é o caminho, a verdade e a vida, Jesus.

René Simões"

3 comentários:

Obede Jr. disse...

Quem dera o futebol brasileiro fosse feito de caras como o Renê!

Cara íntegro e que com certeza deu uma nova cara pro Coritiba!

Reviveu um grande e não duvido de sua força no ano que vem!

Aliás, sorte pra Jamaica que terá um excelente profissional sob seu comando!

Abraz!

Jean Minganti disse...

Realmente. Poucos têm essa atitude no futebol. Mas por que ele está saindo se ama tanto o clube ?

Bruno Diniz disse...

Acredito que seja por um motivo simples: manter as portas abertas pra uma possível volta.

Na maioria dos clubes por onde passou, o Renê fez isso. Ele se compromete por um objetivo, depois que o alcança, dá lugar a outra pessoa.

Fez isso na Jamaica, depois da Copa de 98, com a seleção feminina, depois da prata em Atenas, e agora no Coritiba.

Eu não gostaria, mas o mesmo deveria fazer o Vagner Benazzi, na Lusa.

É, sem dúvidas, um dos melhores técnicos q passaram pelo Canindé. Tirou o time de um buraco incrível e levou de volta à primeira divisão. Deveria sair por cima, pois, no ano que vem, a campanha será a de sempre: derrotas e mais derrotas. Aí ele vai sair mandado embora e ele não merce isso.